Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Vocabulário
Calabouço: prisão subterrânea; cárcere.
Grilhão: corrente que prende os condenados; cadeia, algema.
Funéreo: relativo à morte, aos mortos ou a coisas que com eles se relacionem.
Etéreo: sublime, puro, elevado; celeste, celestial.
O Simbolismo no Brasil enfrentou o clima hostil mantido pelos adeptos do Parnasianismo e produziu obras poéticas que, de certa forma, abriram caminho para a renovação que eclodiria com a Semana de Arte Moderna. Os simbolistas tiveram que lutar contra o prestígio do grupo realista-parnasianista que, além da tradição literária inabalável até então, somava a seu favor o fato de ter sido a geração fundadora da Academia Brasileira de Letras (1896). A arte enigmática, baseada no sonho, na imprecisão, na invenção de uma linguagem nova, ajustada ao desvendamento de mundos subjetivos e nebulosos; o ritmo novo, e os símbolos inesperados não encontraram pronto acolhimento no mundo poético objetivo, padronizado e solidificado nos moldes acadêmicos vigentes. Didaticamente, considera-se o ano de 1893 como o marco inicial do Simbolismo no Brasil, ainda que antes daquela data se possam registrar várias manifestações poéticas ligadas à nova estética. Entre elas, destaca-se a publicação de Canções da decadência, de Medeiros de Albuquerque, em 1887.
No início da década de 1890, no Rio de Janeiro, um grupo de jovens, insatisfeitos com a extrema objetividade e com o materialismo da corrente literária dominante (Realismo/ Naturalismo/ Parnasianismo), resolveu divulgar as novas ideias estéticas e literárias vindas da França. Eram conhecidos como decadentistas. Esse grupo (formado principalmente por Oscar Rosas, Cruz e Sousa, Bernardino Lopes e Emiliano Perneta) lança no jornal Folha Popular o primeiro manifesto renovador. No Ceará, outros jovens fundaram uma sociedade literária, dedicada ao culto das excentricidades da nova arte, chamada Padaria espiritual.
Consideram-se obras introdutórias do Simbolismo no Brasil “Missal” (poemas em prosa) e “Broquéis” (versos), publicados em 1893; com as quais Cruz e Sousa renovou a poética em língua portuguesa (o vocabulário, os motivos temáticos, a musicalidade, o acento rítmico, a métrica inclusive), apresentando originalidade e um repertório amplo de recursos expressivos. Os temas da morte, do desejo de transcendência, do mistério, do conflito interior e da escravidão unem-se a uma constante preocupação formal para conferir à sua poesia uma qualidade diferenciada.
Cruz e Sousa já foi traduzido e publicado em pelo menos em oito idiomas. A internacionalização da poética começou logo depois de sua morte. A primeira manifestação sobre a grandeza do trabalho foi publicada na revista "El Mercúrio de América". Trata-se de uma conferência proferida em 1899 em Buenos Aires, na Argentina, pelo poeta boliviano Ricardo Jaimes Freyre.

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